Ontem à noite terminei de ler "Para Sempre Alice" de Lisa Genova. É um livro muito interessante, fala sobre uma professora de psicologia de Harvard que se descobre com o Mal de Alzheimer, que é uma doença degenerativa progressiva e ainda não tem cura. Acompanhar a trajetória do desenvolvimento dessa doença ao longo das páginas é tão angustiante que você se pega pensando em como seria deixar de reconhecer as pessoas que você sempre amou a vida inteira...
"Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente. Num amanhã próximo, esquecerei que estive aqui diante de vocês e que fiz este discurso. Mas o simples fato de eu vir a esquecê-lo num amanhã qualquer não significa que hoje eu não tenha vivido cada segundo dele. Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância."
Tudo isso me lembrou de uma história que eu escrevi a um tempo atrás, antes mesmo de sonhar ler este livro. Achei interessante como consegui passar a ideia do que é ter Alzheimer, mesmo sem ter lido ou presenciado algo parecido.
A importância de minhas palavras
Sempre fui um bom aluno no colégio. Tinha certa facilidade em matérias, como física e matemática, que exigiam raciocínio lógico ágil e memorização de fórmulas complexas. Por falar em memória, a minha era invejável, conseguia lembrar-me de tudo: lugares, pessoas, roupas, números, cores, sem o mínimo esforço, era tudo muito natural para mim.
Mas, com o passar dos anos, e consequentemente, das décadas, eu me aproximava do meu quinquagésimo aniversário. A partir daí, eu fui naturalmente esquecendo. Primeiro, coisas bobas, sem importância, mas que, com certeza, irritavam e atrapalhavam a vida cotidiana, como o lugar que deixei as chaves do carro, ou os óculos, ou, até mesmo, o controle da televisão.
Depois a situação ficou mais séria. Eu já não lembrava o nome de muita gente, inclusive, de pessoas próximas à família, era muito frustrante. Minha mulher, percebendo minha preocupação, sempre me acalmava, ela dizia que esse tipo de situação era normal, e que a idade fazia isso com todos, indistintamente, mas eu podia sentir uma onda de preocupação por trás de suas palavras.
Minha família só confirmou suas suspeitas no dia em que me perdi. Eu, simplesmente, não sabia voltar para casa. Depois que fui encontrado, me levaram ao médico, e o diagnóstico foi direto e preciso, eu tinha mal de Alzheimer. Desse dia em diante, minha vida mudou completamente. Eu já não podia sair de casa sozinho, não atendia aos telefonemas, e, aos poucos, deixei de ter contato com as outras pessoas. Ao perceber o rumo que as coisas iam tomando, minha mulher sugeriu que fizéssemos algo diferente, que começássemos a visitar os parentes e amigos, e, posteriormente, que realizássemos algumas viagens. Eu lhe disse que seria perda de tempo, já que eu iria esquecer tudo que fizéssemos em breve. Ela não se abateu com meu desânimo, apenas sorriu e me entregou um caderninho azul, cuja capa havia a palavra “endereços”, e me explicou: “a partir de hoje, em todos os lugares que formos, você irá anotar o endereço, e, embaixo, dirá o que sente sobre o lugar, as pessoas, as roupas, os números, as cores, e tudo o mais que te interessar, esse caderno será sua nova memória.”
E, assim eu fiz. Levava o caderninho para toda parte, anotava cada detalhe e o sentimento correspondente, e, sempre que queria, lia as páginas anteriores, o que me fazia bem. Ali, eu contava a realidade sob o meu ponto de vista, sem interferências. Mas, um certo dia, eu o perdi, e o pior de tudo é que não havia chance de eu lembrar onde o havia deixado. Nos dias que se seguiram sem o caderninho, eu fiquei apático. Minha mulher tentou me animar, até me trouxe outro caderno, do mesmo modelo, na mesma cor, mas não importava, ele estava em branco, minha história tinha sido tirada de minhas mãos.
Percebendo que a única solução era encontrar o velho caderninho, minha mulher sugeriu que publicássemos um anúncio no jornal, demonstrando a grande importância que tinha para nós. Infelizmente, a equipe de coleta do lixo havia encontrado o caderninho na praça, e, pelo seu estado, julgaram ser lixo. Ele foi parar em um lixão, e, posteriormente, em uma fábrica de incineração, onde suas palavras que compunham minhas lembranças queimaram e dissiparam-se no ar. Passei alguns dias lamentando o destino dele, mas, nos dias que se seguiram, nem pude me lembrar de sua existência, ou da falta dela. Eu morri sem o meu caderninho, mas fico imensamente feliz em não precisar dele no lugar onde me encontro.
(Ellen Carvalho)
sábado, 8 de maio de 2010
"Quando não há mais certezas possíveis, só o amor sabe o que é verdade"
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Caraculis, mandou no post ein..me deu uma imensa vontade de ler este livro!!
ResponderExcluire Seu texto...maravilhosoo...
REalmente faz cada um refletir, e agradacer por não ter nenhuma doença do tpw!
A forma como você conseguiu tirar a tristeza dos meus olhos no final do texto foi avassaladora, Ellen.
ResponderExcluirQuanto ao livro, boa indicação. Já está na minha lista!
Eu adorei o seu texto! Maravilhoso!
ResponderExcluirEu tenho muita vontade de ler esse livro, eu adorei a sinopse :]
:*
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOii, gostei do blog e to seguindo aqui, ok?
ResponderExcluirSou amiga da Caah e recebi um selo dela, aí deixei um selo no meu blog pra você ;)
beeijos :*
O texto incrível conseguiu retratar totalmente a realidade de alguém com tal problema.
ResponderExcluirMuito bom, Ellen.
Agora estou com blog baka...
ResponderExcluirwww.enfermeira-graci.blogspot
Bjokasss!